26/01/2009

A importância da Cooperação Sul-Sul

“A importância de uma tal cooperação não pode ser ignorada num período de rápida globalização. A afluência do Norte é construída através de forte redes de interacção de cooperação e é imperativo que o ´Sul Global` siga o exemplo para remediar a desproporção entre países desenvolvidos e em desenvolvimento”[1]

A Cooperação Sul-Sul é um conceito que começou a tomar forma em 1955, na Conferência de Bandung, na altura pela necessidade de evitar a dicotomia da guerra-fria mas foi em 1961, na Conferência de Belgrado, que se especificou o conteúdo, com a finalidade de “reforçar a capacidade de negociação com o Norte”[2], especialmente em matéria de comércio e desenvolvimento.

A China assumiu a vanguarda desta cooperação através do desenvolvimento de um “multilateralismo de fóruns”[3], numa estratégia progressivamente global. A instituição do Fórum para a Cooperação China-África é o início dessa estratégia, aventando-se que este tipo de relacionamento seja extensível à América Latina e outros países.

Não obstante a China apresentar-se como principal agente e assumir o papel de doadora, pela capacidade de igualar ou mesmo suplantar as acções dos países ocidentais, há que reconhecer que a África em geral – e neste caso específico Angola – não são corpos amorfos no espaço e no tempo, apesar da metáfora utilizada por Adama Gaye no seu livro Chine-Afrique: Le Dragon et l´Autruche[4] mas sim agentes interessados no desenvolvimento desta cooperação, que se quer recíproca e benéfica. Nesse sentido, Angola deseja uma parceria frutífera, diferente das que tem experienciado até ao momento, salvaguardando no entanto aquilo que apelidámos na nossa dissertação de criação de oportunidades, que consiste na possibilidade de escolha, de entre o maior número de parceiros, da que melhor se ajusta aos nossos intentos. Para isso, deve evitar a exclusividade, que de resto, na era da globalização e mundialização é difícil de manter pelas redes de interdependência que se criam. O que importa é desenvolver um multilateralismo cooperacional englobando e conciliando as políticas de cooperação com os todos aqueles que estejam interessados numa parceria genuína.
No caso concreto de Angola, uma oportunidade para desenvolver esse multilateralismo cooperacional seria a realização de uma Conferência de Investidores que como defende Aguinaldo Jaime, Ministro-adjunto do Primeiro-Ministro, é preferível à Conferência de Doadores que deveria ter ocorrido com o final da guerra-civil e que ad litteram: “…casa-se perfeitamente com a estratégia do Governo de não ficar dependente de acordo formal para iniciar o esforço de reconstrução nacional. Isso seria politicamente um suicídio.”[5]

A cooperação Sul-Sul, alicerçada no país asiático, assume a priori as seguintes clivagens relativamente à tradicional cooperação Norte-Sul:
a) A nível da linguagem

Ocidente
Contrapartidas políticas (boa-governação)
Cooperação Norte-Sul
Continente sem esperança
Abuso de Direitos Humanos
Subdesenvolvimento (pobreza; doenças)
vs
China
Cinco Princípios de Coexistência Pacífica[6]
Cooperação Sul-Sul
Continente de oportunidades
Cooperação para o Desenvolvimento e Diálogo Colectivo
Legado comum (herança colonial/invasão territorial)


a) A nível de conteúdo (análise das principais políticas de cooperação com África):
AGOA (EUA); Cottonou (UE/África; Cararaíbas e Pacífico); Política da China para a África (2006) - Análise desenvolvida no livro Relações de Cooperação China-África: o caso de Angola

Uma das principais características desta cooperação sul-sul é a confiança que se gere entre os países, pois também pela primeira vez Angola tem a possibilidade de ser a gestora do seu processo de desenvolvimento. E de facto, os governantes angolanos são capazes de avaliar, por si só, as vantagens e desvantagens da cooperação, conforme ficou plasmado com o cancelamento do negócio com os chineses que envolveu a Refinaria do Lobito[7].

A responsabilização é outro aspecto que emana desta cooperação, em ambos os sentidos. Por um lado, e como refere Karan Bhatia, a China deve tornar-se “responsible stakeholder”[8], pelas acções de cooperação que enceta com os restantes países. No entanto, como o irá conseguir sem objectar os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica? Para além disso, a Comunidade Internacional vigia de perto esta cooperação e tem pressionado o país asiático no sentido de algumas tomadas de posições, como no caso do Sudão e mais recentemente da Birmânia.
Por outro lado, e como referimos acima, a confiança estabelecida pressupõe que cada país se torne accountable pelas medidas que toma, sem imputação de terceiros, o que esperamos que contribua para uma melhor autogestão e vigilância.


[1] Yiping Zhou, Forging a Global South: UN Day for South-South Cooperation, UNDP, 19 Dezembro – 2004, p.1.
[2] Cfr. G. Lechini e A.A. Boron, Is South-South Cooperation Still Possible? Politics and Social Movements in Hegemonic World-Lessons from Africa, 2005.
[3] Heitor Barras Romana, Jogos Chineses, Ed. Especial do Diário Económico, Fevereiro – 2007.
[4] Adama Gaye, Chine-Afrique: Le Dragon et l´Autruche, Paris, 2006.
[5] Declarações extraída da entrevista ao jornal Expresso, em Dezembro de 2006.
[6] Foram estabelecidos por Jiang Zemin e consistem em respeito mútuo pela soberania de cada país; não interferência nos assuntos internos de cada país; desenvolvimento e benefícios mútuos; sinceridade, amizade e confiança mútua; reforço de consultas e cooperação firme.
[7] A refinaria seria desenvolvida pela Sinopec-Sonangol International (SSI) mas foi cancelado por decisão da parte angolana. Actualmente está a cargo da Sonangol e é designada de Sonaref. A esse propósito o Eng.º Manuel Vicente, PCA da Sonangol afirmou: “não podemos fazer uma refinaria só para fazer produtos para a China.”

[8] Expressão utilizada para referir a necessidade da China se tornar responsável a nível do comércio em matéria de bem-estar social e prevenção ambiental.

1 comentário: